segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Ilha das Flores

Os Guardiões da Saúde do Alto do Solimões estão sempre prontos para receber qualquer tipo paciente para dentro do seu glorioso Quartel General, o Hospital de Guarnição de Tabatinga. Conhecido vulgarmente como “Hospital”, ganhou este apelido no dia de sua inauguração pelo fato peculiar de ser o único em Tabatinga. É usado pelos locais para o auxilio nas doenças, para entretenimento nas horas vagas e ponto de encontro: “me encontra no hospital...” e não tem erro.

Como todo o hospital no HGuTab também encontra obstáculos no meio do caminho rumo ao cumprimento da sua missão. Principalmente quando a missão é juntar as placentas após os inúmeros partos da Região do Alto do Solimões e enterrá-las em uma vala. Com a fome aqui nesta região tão carente atingindo níveis estratosféricos os cachorros estão sempre ao lado de fregueses com suas carinhas pidonas a esperar um pedaço d carne. A fome é tanta que se você, uma pessoa de coração frágil, jogar uma batata frita o pobre canino cheira a batata e lhe vira as costas deixando-la ali na sua frente para que você, humano faminto do Alto do Solimões, não sofra do mal da inanição. Apesar dos humanos passarem necessidades os cachorros são muito bem alimentados, principalmente quando a guarda do hospital dá as costas para os sacos com placentas dentro. Coube ao soldado ficar correndo pelo hospital inteiro atrás do cão que levava sua placenta, ainda quentinha, na boca. O Tom Cruise concorda com os cachorros tabatinguenses que placentas são mais apetitosas que batatas fritas.

Os humanos, sendo menos afortunados que os cachorros, têm de procurar outra forma de alimentar a eles e a suas famílias. Para isso esperaram uma noite bem chuvosa para arrombar a cozinha do HGuTab e roubar toda a comida que puderam levar. Observe que a fome é tanta que eles tiveram que roubar a comida de pessoas enfermas e dos únicos médicos que vêm ajudá-los neste fim de mundo!

Mas mesmo no inferno e no fundo do posso têm alguém com bom coração. No fim da noite chega ao nosso QG da Saúde um senhor que disse ter um probleminha. Na noite anterior recebeu uma visita de um mendigo em sua porta, com um prato de comida. O mendigo entregou-lhe o prato e disse-lhe que a comida era pra o cachorro do senhor. O senhor muito lisonjeado agradeceu o presente e, antes de entregar a comida ao destinatário, deu uma olhadinha no prato. Contou-nos que havia no prato alguns bifes, arroz, feijão e batatas fritas. Acho que o cachorro dele já tinha dado uma passadinha no HGuTab naquela noite mas ele não e também parece que o cachorro dele não era fã de batatas fritas. O senhor nos afirmou que o cachorro não estava com fome!!! Mas que ele estava!!! Então comeu toda a comida... o que não é bom para o cão é bom para o homem.

sábado, 27 de outubro de 2007

Enquetes 2

Obviamente no alto do solimões a regra da preferencial existe. Não pensem que só porque moramos na selva somos animais. Aqui a regra é obedecida quase sem excessões (não fossem os ciclistas brasileios).

A resposta porém é estranha. A preferencial é sempre a rua menor e com menos movimento, onde as pessoas andam mais devagar. Fazem isso para que haja trânsito na hora do Rush, pra parecer que nosso modesto mundo é cidade grande. A idéia e fazer uma via de alta velocidade parar sempre que uma outra moto vem devagar pela rua menor (geralmente muito menor). Ai umas 10 motos param, congestionando a rua maior.

Se fosse ao contrário ou se seguissemos o bom senso haveria apenas uma moto parada nem cada rua pequena, retirando o glamour do trânsito de grandes centros que queremos colocar na nossa cidade.

E para a sobremesa… cérebro de macaco fresco.

Mas a variedade atinge seu ponto mínimo quando falamos de restaurantes. Estes sim, utilizam toda a capacidade criativa dos ribeirinhos do Alto do Solimões. Os pratos extremamente exóticos. Todos levando em base os peixes da região: Pirarucu, Tacunaré e Linguado... mas hoje só temos o Pirarucu.

Logicamente, você que já leu estes relatos, sabe que se for procurar outro peixe no restaurante da outra esquina não vai achar. O Rio é o mesmo, sempre o Solimões. Se só tem Pirarucu no Rio Solimões, só tem Pirarucu no restaurante. Sempre bem temperado com coentro, o tempero regional mais usado pelos Chefs da Amazônia Ocidental.



Na falta de peixe os colombianos comem o aperitivo mais desejado no Alto do Solimões. Assim como os franceses, os colombianos sabe almoçar pequenas porções de puro extase para o paladar. O prato é conhecido como Turu. Não é necessário temperos, pratos ou talheres. Basta pegar tudo com a mão e fazer como Ozzy fez com o morcego, só que com o corpo para dentro da boca.



Há dois restaurantes “luxuosos” na clareira em que vivemos. Os dois existem por causa dos hotéis que os hospedam. O Decameron e o Anaconda. Cada um tem sua peculiaridade, cada um com suar surpresas.

Nos dias que vamos jantar no Decameron contamos com a sorte. As vezes ele abre para o público, as vezes não. Acho que é o ciclo menstrual do Chef que manda. Já fomos barrados na porta no domingo, na segunda, no sábado, tanto faz o dia. Então quando perguntamos aos funcionários “por que é que não estão servindo o público que não está hospedado?” eles respondem em bom e velho ticunêz: “ãhã...”

Então, começamos a comer no outro hotel, o Anaconda, já que era outro restaurante bem conceituado. Assim como o conceito de beleza e de cidade são relativos, o conceito do restaurante também é. Ao chegar no restaurante e descobrir que eles estavam servindo pessoas que não estavam hospedadas, solicitamos o cardápio. Pedi um prato em que vinha vários vegetais cozidos com especiarias e mel, pelo menos era o que estava escrito no cardápio. Após 50 minutos vem o prato, que estava delicioso, era realmente exótico, nunca tinha comido algo igual. Bravo ao Chef do Anaconda! Três dias depois resolvemos voltar ao restaurante, já que o prato era bom. Pedi a mesma coisa. Então vieram quatro brócolis tostados , sem mel e com coentro. Tão apetitoso quanto um punhado de pedras quentes. Isso aconteceu com todos da mesa. Ao falar com o garçom ele passou o recado para o Chef que, depois de muito reclamarmos, veio nos visitar na nossa mesa. Ele disse que o meu prato estava correto, era aquele mesmo. Mesmo eu mostrando o cardápio com outros legumes e ingredientes, até o mel ele só respondia da melhor forma ticuna: “ãhã”. Quando pedi para tirar foto do cardápio, para colocar o prato que havia pedido no blog responderam de outra forma ticuna: nana...

Pelo menos este é o máximo que me aconteceu. Outras pessoas já foram mais surpreendidas. Ao pedir uma lasanha outro Aspira se assustou quando a garçonete derrubou um quarto da lasanha na mesa. Ele a avisou, pois parecia não ter visto a sujeira. Ela, muito sabiamente, juntou tudo com as mão, colocou de volta no prato dele e saiu com o espírito de dever cumprido.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Enquetes

Enquete encerrada. A resposta correta é, óbviamente, a oculta! Que não apareceu nas alternativas e sim nas entrelinhas da questão, que é altamente rebuscada. Vamos refletir um pouco na pergunta: As duas fotos acima mostram a cidade mais bonita do Brasil?

Primeiro, todos já sabem que o conceito de cidade é tão relativo quanto o conceito de bonita. Portanto como pode haver uma resposta objetiva para uma pergunta tão subjetiva assim.

Segundo, todos os que votaram não notaram uma pequena mancha branca no fundo da segunda foto. Aquilo representa a Cordilheira dos Andes. Portanto, como não há Cordilheira dos Andes em Tabatinga e muito menos em Bora-Bora, como é que pode ser uma foto de um dos dois lugares. Claro, a segunda foto só pode ser de Santiago...

Resultado: eu também errei.

Mas já que erramos todos a primeira enquete, vamos agora tentar acertar a segunda. Vamos tomar cuidado com as pegadinhas e evitar responder sem pensar direito na resposta.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Afinal, o que é Tabatinga?

Tabatinga, para citar Morfeus de Matrix, “é o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para que você não visse a verdade”. Como Neo, todos os sãos perguntariam: “que verdade??”...Que você está no meio da Amazônia.

Parece uma cidade. Tem casas, lojas, ruas (até uma avenida, a Avenida da Amizade), mulheres com salto alto. O cheiro é de cidade. Os barulhos são de cidade. Mas em volta, não muito distante mas longe o suficiente para que seus olhos não a encontrem, a Selva nos cerca....

Tabatinga é até muito parecido com Bora-Bora. Apesar de ficar não no meio de um monte de água, como Bora-Bora, Tabatinga é uma ilha. Não há como sair daqui sem ser de barco ou avião. Tudo tem de ser trazido e levado nestes dois transportes. Logicamente você me diria “mas se eu quiser posso ir a pé, pelo meio da floresta!” Mas isso seria tão seguro quanto se atirar no mar em Bora-Bora e nadar até o continente mais próximo...

Isso dificulta tudo. Se o rio está em época de seca não há como trazer comida. Tudo demora mais tempo pra chegar, até encomendas que a atendente do correio JURA que vai chegar em 5 dias úteis. No final de semana, quando queremos pegar uma praia, vamos até o final da estrada e quem é que encontramos: a Dona Selva.

Então o mais apropriado é enxergar a Dona Selva como as máquinas em Matrix, nossa real inimiga. Porque então não destruir tudo, vender toda a madeira e arrecadar uns milhões, depois pavimentar tudo e fazer um grande Shopping? Acho que devemos fazer como os humanos fizeram na Matrix: os incomodados que se retirem!

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Dia-D

8 de fevereiro de 2007: Fui convocado para prestar um ano de serviço militar no meio da Amazônia.

Qualquer pessoa normal ficaria chateado, bravo, etc... no mínimo acharia uma injustiça: "Que negócio é esse, me mandar pra Amazônia... recém formado, querendo trabalhar... que que eu vou fazer no Exército... no meio da Amazônia?" Todas as pessoas em sã consciência pensariam isso.

Eu pensei... EXATAMENTE ISSO!!! Exceto nos 7 minutos e 37 segundos que precederam o chamado do meu nome no palanque naquele auditório lotado. Que bom! Sou são.

Imagina: eu, um cara só. A minha volta 400 pessoas, civis que não queriam prestar serviço ao Exercito por um ano. A minha frente uns vinte militares, um para cada vaga que seria preenchida naquele dia (porque A Força poderia ser necessária). Então eu, um cara só, fui chamado para preencher uma daquelas vinte vagas (não foi necessário A Força e nem será, somente dizer que nunca mais poderia pedir uma segunda via de um documento oficial sem, antes, ser preso se fugisse naquele dia).

Foi uma chance em um milhão, ou melhor 20 em 400 (que é 1:20). Nunca tinha pensado assim, nunca tinha feito esta conta!!! Até que as minhas chances não eram tão ruins....

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Aqui começa o Brasil...








Então lá fui, para Tabatinga. É longe, é pequeno e não tem cinema. Mas é uma cidade, sem dúvida...será?





Quando cheguei, após duas semanas intermináveis em Manaus tentando fazer uma carteira de identidade apenas (que não foi feita e cujo processo só conseguimos terminar em Tabatinga), ví o Aeroporto. Aeroporto internacional! Os vôos portanto vão para... Manaus. E pra Bora-Bora, Santiago, Caribe? Nem pras Guianas?! Mas é Internacional, e isso é o que importa.







Então, tão logo saí do portão de embarque, lá estava ela me esperando: a chuva tropical. Molhando todas as malas, todas as cabeças, todos os centímetros quadrados de minha nova cidade. Assim eu não enxergava nada! Só deu pra ver uma coisinha, um letreiro num escrito em verde num muro branco: “Aqui Começa o Brasil...” reticências que dizem “onde fui me meter?!”



Foi tão rápido que não deu nem pra ver um habitante impar de Tabatinga, o Outdoor. Único, imponente, fica ali, bem na frente do Aeroporto Internacional.


Mas a cidade não é tão ruim, uma vez que se caminha por ela. O meu azar é que, com o treinamento militar, que visava me transformar de um bom e inocente civil a um militar poderoso, não me deixou conhecer a cidade logo nos primeiros dias. Marchei das 7 da manhã as 10 da noite na primeira semana inteira. Agora imagine, cheguei na cidade que vai ser minha casa por um ano e não podia sair para conhecê-la por que tinha que marchar!



Então, passado a primeira semana, minha visão de Tabatinga mudou bastante. A cidade, habitada por senhores andantes e senhores volantes, era movimentada. Senhores andantes nas calçadas e no meio das ruas, senhores volantes... também. Porém não estão exatamente atrás de um volante e sim de guidões, de motos que, contra os senhores andantes, são bem letais.



Os senhores volantes conseguem levar tudo em suas motos. Tubos tigre de PVC, vigas de aço, filhos, esposas e, se precisar, tudo de uma vez só. Já foram avistadas motocicletas com 6 pessoas em cima. Todas, claro, com os equipamentos de proteção que Deus lhes deu: cabelos e pele.